outubro 18, 2013 Nenhum Comentário

ENTREVISTA EXCLUSIVA COEP: DIRETOR DO INSEA ANALISA BOLSA RECICLAGEM E TRABALHO DOS CATADORES

BOLSA RECICLAGEM: RECONHECIMENTO PELO SERVIÇO PRESTADO POR CATADORES

O Programa Bolsa Reciclagem, instituído pelo governo de Minas Gerais por meio da Lei 19.823, de 2011, visa conceder incentivo financeiro às cooperativas e associações de catadores que segregam, enfardam e comercializam papel, papelão, cartonado, plásticos, metais, vidros e outros resíduos pós-consumo. O objetivo é estimular a reintrodução de materiais recicláveis no processo produtivo.

De acordo com Luciano Marcos (foto), do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (Insea), a remuneração dos serviços é calculada a partir de notas fiscais ou recibos emitidos por empresas compradoras de materiais recicláveis. O incentivo é concedido trimestralmente a cooperativas ou associações, com repasse de 90% dos recursos aos catadores. O restante é destinado ao custeio de despesas administrativas, investimentos em infraestrutura, capacitação de cooperados ou associados etc.

Para Luciano, reconhecer a coleta seletiva como um serviço ambiental prestado é admitir que existem milhões de pessoas que encontraram nas sobras da sociedade um meio de sobrevivência, reciclando suas próprias vidas, sua cidadania perdida e, muitas vezes, negada.

Rede Mobilizadores – A Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), estabelece que os grandes geradores de resíduos devem “atuar em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis”.  Esta parceria tem acontecido? Quais as principais dificuldades?

R.: Estamos num momento bastante crítico em termos da governança da PNRS, porque a lei traz duas novidades: uma é a coleta seletiva, que prega a destinação correta dos resíduos para diminuir o impacto dos aterros e fazer com que o material volte para o ciclo produtivo. A outra é o sistema de logística reversa, que estabelece a responsabilidade compartilhada dos grandes produtores destes materiais, ou seja, os fabricantes . No entanto, não ficou muito claro na política quem paga a conta e como deve ser feito esse pagamento, o que gera um problema de governança, pois a titularidade do serviço está sob a responsabilidade do gestor local, dos prefeitos, que alegam dificuldades de implantar a coleta seletiva e não querem arcar sozinhos com os custos. Já a parte da logística reversa está sendo resolvida através de acordos setoriais, ou seja, cada segmento está apresentando sua proposta.

Na Europa e nos Estados Unidos adota-se o conceito de “poluidor-pagador”, ou seja, a obrigação de pagar pela destinação dos resíduos é de quem os gera. As empresas fazem altos investimentos para garantir que as embalagens façam o caminho de volta, até as indústrias. Mas multinacionais não querem adotar aqui as mesmas práticas a que são obrigadas nos demais países. Elas dizem que têm dificuldades para cumprir a lei, alegando que o endividamento em função do custo Brasil está muito alto, especialmente num cenário de instabilidade econômica. Com isso, os acordos não estão avançando.

O que temos debatido é o conceito da responsabilidade estendida do produtor, do fabricante, para que ele possa ser taxado como no modelo europeu. Tudo ainda está no nível do debate, mas há um movimento dentro do Congresso para que alguns itens da política sejam revisados.

A lei estabelece que os seguintes itens devem obedecer à logística reversa: medicamentos, pneus, óleos lubrificantes, eletroeletrônicos, pilhas e baterias, embalagens em geral. No setor de pneus, já é bem avançada a logística reversa, até porque são resíduos de menor volume. No setor de embalagens secas, o gargalo é maior, pois há uma quantidade enorme. Outro problema a resolver é em relação aos importados, uma vez que não são fabricados aqui, para onde suas embalagens devem ser encaminhadas?

Rede Mobilizadores – Por desconhecimento, algumas pessoas ou organizações acham que todo tipo de material descartável é de interesse dos catadores e se chateiam quando eles não aceitam recebê-los. É comum também haver uma expectativa de que as cooperativas de catadores estejam estruturadas como uma empresa, o que não corresponde à realidade. Como vencer esses problemas? Qual o melhor caminho para sensibilizar a sociedade para a importância do trabalho dos catadores e para as limitações com que convivem?

R.: O maior desafio na implementação é pensar a PNRS para cada tipo de resíduo gerado. Somente 20%, ou até menos, são rejeitos. O restante é passível de reciclagem. O grande problema é que o sistema é regulado pelo mercado. Como as cooperativas não são remuneradas pelo serviço que prestam, elas acabam recolhendo os resíduos que o mercado absorve. E, no Brasil, este cenário é bastante diverso. Por exemplo, em muitas cidades da Amazônia Legal não há quem compre o plástico, enquanto este tipo de resíduo no Sudeste tem maior valor agregado. Além disso, todas as indústrias recicladoras do país estão concentradas no Sudeste e no Sul. Então, os resíduos do Nordeste, por exemplo, têm que ir para São Paulo. O elevado custo do frete, muitas vezes, torna inviável a reciclagem de alguns tipos de materiais em algumas regiões do país.

Outro problema é que as cooperativas nasceram num processo de exclusão do segmento dos catadores, então elas são muito frágeis. Apresentam estruturas muito precárias. É preciso um investimento significativo nas cooperativas para que elas possam ter uma estrutura ideal e trabalhar em toda sua capacidade. E isso teria que ser pensado para cada tipo de resíduo, o que não acontece hoje. Por exemplo, cooperativas que trabalham com eletroeletrônicos, muitas vezes, desmontam os equipamentos sem conhecer os riscos dos componentes que integram esses produtos, muitos dos quais podem causar contaminação, tanto do trabalhador, quanto do meio ambiente.

Para a política funcionar é preciso pensar a reciclagem como uma política pública de fato, levando em conta as especificidades de cada região do país, e não como um aspecto de mercado. A cooperativa que aceita um determinado tipo de resíduo que não tenha apelo de mercado acaba gerando um problema para ela, que não tem como estocar ou vender o resíduo.

Rede Mobilizadores – Como sensibilizar as empresas e seus funcionários em relação a essas questões?

R.: As empresas têm que cumprir a lei. Normalmente, o que elas querem é se livrar do resíduo, quando deveriam pagar para dar uma destinação correta a ele. Muitas acham que estão prestando um grande favor, doando o resíduo. É preciso que percebam a necessidade de se adotar uma remuneração pelo serviço de coleta dos resíduos.

Rede Mobilizadores – Os catadores são responsáveis por 90% dos materiais que chegam às indústrias para reciclagem, porém ficam apenas com 10% do lucro. Como assegurar uma remuneração mais justa a esses profissionais?

R.: É preciso criar o reconhecimento pelo serviço prestado. Quando falamos em reciclagem, estamos falando em matérias primas que já perderam, no processo produtivo, seu valor. Quando chegam à reciclagem, são matérias primas muito baratas, reguladas por regras internacionais do mercado. Isso já lhes tira o valor agregado. Então, o pagamento pelo serviço ambiental prestado é o caminho. Quando o catador vai de porta em porta, ele está fazendo um serviço de sensibilização, de educação ambiental. Ele deveria ser pago por isso. Quando ele retira das ruas e transporta os resíduos, ele também está prestando um serviço, então também deveria ser pago por isso. Todos os municípios pagam para fazer aterros, quando deixam de aterrar, gera-se uma poupança, que poderia ser revertida para o pagamento dos catadores.

Rede Mobilizadores – O que é Bolsa Reciclagem, o que prevê e qual sua importância?

R.: O Bolsa Reciclagem é um pagamento aos catadores pelo serviço ambiental prestado. É um pagamento feito pelo Estado pela poupança gerada. A iniciativa é pioneira em Minas Gerais, porque, no estado, já há um histórico de reconhecimento ao serviço dos catadores. O processo de criação do projeto foi coletivo.

A lei [19.823] foi promulgada, em 2011, e nasceu em meio à discussão de medidas voltadas ao combate da pobreza extrema. A vantagem é que você agrega ao trabalho uma remuneração justa. A bolsa só é paga para o catador organizado, então é um estímulo para quem está na rua procurar se vincular a um empreendimento. O catador passa a procurar as cooperativas como espaço de trabalho, a se capacitar, a se qualificar. Os catadores recebem treinamento para aprender a administrar os recursos.

Hoje, temos 120 cooperativas cadastradas e 69 participando efetivamente do Bolsa Reciclagem, pois é preciso ter uma regularidade fiscal. O programa, neste sentido, acaba ajudando o próprio empreendimento a aprimorar sua gestão. Para se manter no programa, as associações ou cooperativas precisam manter atualizados os dados cadastrais, serem reconhecidas pelo Comitê Gestor do Bolsa Reciclagem, comprovar sua produtividade apresentando, até o último dia útil do mês seguinte de cada trimestre, notas fiscais ou comprovantes de venda que demonstrem a comercialização dos materiais, para, posteriormente, apresentar relação de repasses feitos a cooperados ou associados beneficiados pelo incentivo.

Outros estados têm se interessado em replicar a experiência do Bolsa Reciclagem.  Os estados da Amazônia Legal, por exemplo, demonstraram bastante interesse em participar.

Rede Mobilizadores – Já dá para avaliar os primeiros resultados da iniciativa?

R.: Estamos, agora, na fase de avaliação dos impactos. Mas, já é possível sinalizar alguns resultados. Hoje, o catador que participa do projeto consegue fazer uma previsão orçamentária pessoal, fazer planos, isso gera qualidade de vida, melhora a autoestima etc.

Rede Mobilizadores – Qual é o objetivo do Comitê Gestor do Bolsa Reciclagem? Quem o integra e quais suas atribuições?

R.: É um comitê paritário. É formado por sete pessoas, que representam o Ministério Público (1), o governo (3) e catadores (3). Eles analisam a situação cadastral e tomam decisões sobre coeficiente de pagamento dos materiais recicláveis. Por exemplo, o vidro é um grande gargalo em Minas. Então, este resíduo tem um peso maior na venda. O trabalho do comitê é contínuo. Os grupos de cooperativas acessam as informações por meio da internet. Os dados ficam disponíveis para todos.

Rede Mobilizadores – Vocês têm tentado parcerias com universidades, centros de pesquisa para enfrentar questões como esta, de gargalo?

R.: O nosso problema mesmo é a cadeia. Temos conversado com o governo para tentar criar plantas de reciclagem em Minas. Nós não temos nenhuma indústria recicladora. Toda nossa produção vai para São Paulo. Mas, há contatos com universidades para tentar, por exemplo, verticalizar a cadeia. O investimento para pesquisa é muito importante para pensar a cadeia como um todo. Pensar a política de forma nacional, preparando os municípios para organizarem a coleta e para o escoamento da produção, organizar a governança.

Rede Mobilizadores – O que acha da adoção da tecnologia da incineração dos resíduos no lugar da reciclagem? Quais as vantagens e desvantagens?

R.: A incineração é uma grande contraposição à lei, inclusive no que diz respeito à inclusão social, pois cerca de um milhão de pessoas vivem da reciclagem e quando se investe na incineração de rejeitos, quantas pessoas saem prejudicadas? Além disso, trata-se de uma tecnologia muito cara e bastante nociva à saúde humana e ao ambiente. Na própria Europa, vem sendo bastante criticada atualmente.

Estamos fazendo uma campanha intensa para combater a incineração no Brasil, inclusive questionando o Ministério Público sobre os investimentos feitos, já que a PNRS aborda a tecnologia como último item, voltada aos rejeitos e não aos materiais recicláveis. O que pleiteamos é uma regulamentação nacional para a incineração. Em Minas Gerais, já temos um projeto de lei tramitando, proibindo estas plantas no estado. Sei que no próprio Congresso Nacional há também um projeto [de lei] neste sentido.

Rede Mobilizadores – O que fazer para fortalecer a coleta seletiva solidária e a organização de catadores?

R.: O sistema só funciona com a participação dos três atores: gestores, sociedade e catadores. Esta conjunção é que dá o resultado esperado. É preciso uma campanha intensa de mobilização da sociedade, que deve começar nas escolas, com educação ambiental sobre a importância de segregar os resíduos, mostrando que podem voltar ao ciclo produtivo de forma positiva, gerando economia de água, de energia, diminuição do desmatamento, dentre outros benefícios.

Rede Mobilizadores – Existem experiências exitosas de parcerias entre catadores e organizações e/ou município? Poderia citar um exemplo.

R.: São Francisco, nos Estados Unidos, por exemplo, é uma cidade onde o lixo é praticamente zero, e emprega 2 mil catadores. O sistema lá funciona muito bem. É um exemplo de que pode dar certo, quando se cria uma agenda pautada pelo interesse público e não pelas regras do mercado e pelos interesses de grupos privados.

No Brasil, podemos citar o caso do município mineiro de Itaúna, que tem mais de 100 mil habitantes. Lá, os catadores fazem 100% da coleta, obtendo uma renda média mensal de R$ 2.500,00, fora o Bolsa Reciclagem, que lhes proporciona uma renda trimestral de cerca de R$ 6 mil reais.

Rede Mobilizadores – Durante o seminário “Reciclando práticas e transformando vidas”, o senhor faz uma alusão ao título do evento. Poderia repetir agora?

R.: Quando falamos de coleta seletiva, estamos reconhecendo que, no Brasil, milhões de trabalhadores historicamente anônimos encontraram nas sobras do que a sociedade consome um meio de sobrevivência. Não podemos aceitar que, num país emergente como o nosso, existam pessoas vivendo em lixões. Reconhecer a importância da coleta seletiva é um caminho para que estes trabalhadores encontrem uma rede de proteção e apoio, se reencontrem como pessoas, reciclando suas próprias vidas, sua cidadania perdida, negada. Estas pessoas, muitas vezes invisíveis para a sociedade, passam a ocupar seu espaço, sendo vistas com respeito.

Fonte: COEP Nacional

Entrevista do Eixo Erradicação da Miséria

Concedida à: Renata Olivieri

Editada por: Eliane Araujo

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